Tigres adestrados

Liberdade

Eu deveria ter uns cinco anos quando meus pais me levaram, pela primeira vez, ao circo.

Lá achei graça com os palhaços; permaneci hipnotizada com os trapezistas; levei as mãozinhas aos ouvidos para amenizar o barulho ensurdecedor das motocicletas girando no globo da morte; admirei o fato da contorcionista caber dentro de uma mala; lembro que fiquei, profundamente, incomodada com as apresentações dos animais. Vi que cachorrinhos saltavam em arcos com fogo, elefantes dançavam e os leões cumpriam as ordens dadas por seus domadores. A plateia aplaudia, menos eu.

Ainda era muito nova para entender o desconforto, mas, por volta dos 7 anos, meus questionamentos dispararam: “Por que aqueles animais estavam ali?” “Quantas horas por dia eram treinados para desempenhar bem seus números?” “Elefantes, macacos e leões não deveriam estar na selva?”

Cheguei a arquitetar um plano para salvar os bichos: de madrugada, iria até o estacionamento do circo, precisamente onde ficavam as jaulas, e com um martelo quebraria todos os cadeados. Pronto. Bem-vindos! Estão livres!

Na minha “cabecinha de vento”, a cena de leões, chimpanzés e elefantes saindo em disparada, desfrutando da liberdade pela cidade, era a coisa mais linda de se ver. Só cometi um erro: contei o plano para minha mãe, que rugiu feito uma leoa, mandando-me parar de delirar e dormir.

Tempos depois, só eu sei o quanto fiquei feliz quando, finalmente, proibiram o uso de animais em atrações circenses.

Corta para os dias atuais. Justamente na data em que estreei idade nova, as medidas de isolamento social, por conta da pandemia do vírus, intensificaram-se. O “fique em casa” foi levado ao pé da letra, e a partir daí, me vi andando de um lado para o outro dentro do meu apartamento. Ter a liberdade cerceada foi um golpe. De lá para cá, procuro me manter ativa, mas uma hora o tédio bate, a irritabilidade chega, o humor altera, a insônia aparece e eu me lembro dos bichinhos em cativeiro que não têm filmes para ver, armários para arrumar, plantas para regar, livros para ler, música para ouvir ou receitas para testar. Passam anos e mais anos presos em alguns metros quadrados, dormindo e comendo, que são suas únicas atividades.

Desde março, estamos vivenciando dias atípicos e sentindo na pele os efeitos da reclusão e do isolamento social, enquanto ansiamos pelo destravamento dos cadeados que nos libertarão e nos devolverão às ruas, agora sob uma nova ótica e um outro modo de viver.